No mundo das escolhas, em que tudo
parece que está numa prateleira de supermercado, as pessoas se vêem
como consumidoras de tudo. O campo de ofertas se estende a tal ponto
que o consumidor se vê perdido em meio a tantas escolhas: diet, light,
“com toque de limão”, integral, desnatado, instantâneo…
A verdade é que as nossas relações
também viraram produto de prateleira. Parece que fomos industrializados
e temos até data de vencimento! Quietude, espera, meditação, dentre
outras disciplinas contemplativas, não são bem quistas entre nós. Um
exemplo disso é a frase dos que se aventuram no amor: “A fila anda” –
como se o coração fosse um produto na linha de montagem de um modelo
fordista, feito para ser consumido como os demais bens de produção
duráveis. Bem, na verdade, não tão duráveis assim, vamos combinar… Você
sabe, né? É a lógica do sistema capitalista: os bens não podem durar
tanto, pra economia girar. DaÃ, temos um outro modelo: toyotismo. Isto
é, na explicação schumpeteriana, trata-se da “destruição criadora” que
troca o velho pelo novo. Abre parêntesis. Acertei, economistas? Fecha
parêntesis.
Outra coisa é perceber como a nossa
espiritualidade tem sido alvo dessa correria desenfreada. São tantos
eventos, congressos, vigÃlias, louvorzões… que me pergunto,
sinceramente, qual é a motivação disso tudo. Acredito que nossa agenda
precisa considerar que a missão é integral: “O Evangelho todo, para o
homem todo, para todos os homens.” De um tempo pra cá, “missão integral”
tem sido tema corrente em oficinas, palestras, boletins dominicais e
outras formas de mÃdia evangélica. Mas, que fique claro o seguinte:
missão integral não é uma invenção de missiólogos (e eles sabem disso).
Ora, as Sagradas Escrituras nos apresentam ótimos exemplos de missão
integral. Nada melhor que a parábola do bom samaritano!
“Portanto, vão e façam discÃpulos de
todas as nações…” (Mateus 28:19) A Grande Comissão é muito mais que um
tema augusto, sublime, majestoso… Pra mim, Jesus Cristo não estalou os
dedos e deu essa ordem aos seus discÃpulos. Não! Ele demonstrou isso,
em seu ministério, através de seu relacionamento com o próximo: a
mulher samaritana (era de Samaria!), a mulher cananéia (uma
“cachorrinha”, para alguns), a escolha de Levi (um cobrador de
impostos, minha gente!), dentre outros personagens que faziam qualquer
judeu sentir coceira só em mencioná-los.
Gente não é andróide. Gente tem
sentimentos, emoções, projetos, desejos, sonhos… E é justamente nessa
rede de gente que a missão integral se apresenta. Não há espaço para
estruturas, porque a vida é dinâmica e Deus se revela de forma
dinâmica: impossÃvel formatar Deus. Não sou o Richard Foster¹ mas não é
difÃcil constatar que o ativismo é a praga que ronda a Igreja de
Cristo. Isto é, quando consideramos as tarefas essenciais para o
cumprimento da Grande Comissão. Chamo de praga porque elas aparentam
ser boas para o “crescimento da igreja”. Dessa forma, é como se
medÃssemos a espiritualidade de alguém pelo número de cargos, tÃtulos,
liderança em ministério (s)… Em outras palavras, como Jesus nos
alertou, estejamos atentos e tenhamos cuidado com o “fermento dos
fariseus e dos saduceus.” (Mateus 16:5-12)
Quando desconsideramos que a missão é
integral, fazemos do Evangelho uma grande indústria: onde os
“fermentos” da igreja são dos mais variados. Admito que sinto uma
mistura de tristeza e alegria, quando escrevo isso. Tristeza, porque já
corri de um lado para o outro procurando “fazer algo pra Deus”. E sei
que, se não vigiar, volto àquela correria outra vez, porque não estamos
vacinados contra essas coisas. Sinto alegria pela consciência de que
não preciso “entrar em crise”, por exemplo, porque não abri a boca pra
falar do plano da salvação. Descobri que ser cristão é me relacionar
com Deus, amando o meu próximo. Dias de evangelismo, portanto, são como
um megafone pra me lembrar de minha responsabilidade de compartilhar o
amor de Deus: algo que devo fazer diariamente. Afinal, evangelismo é
meu estilo de vida. Ou não é? De acordo com a minha resposta,
constatarei que tipo de Evangelho vivo: integral ou desnatado?
“Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras.” (Francisco de Assis)
Alexandre de Sá.
¹Richard Foster é autor do clássico Celebração da Disciplina.
Fonte:Solomon
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