
Cristãos falam muito em redenção porque Jesus chamou para si a
prerrogativa de salvar. Considerando que o Nazareno não transitava entre
as eminências eclesiásticas, redenção pode ser considerado a partir de
conceitos não-religiosos.
Quem abre mão do nome, da reputação, da própria vida porque abraçou
uma causa, está salvo do oportunismo, da demagogia e da desfiguração do
eu. Quem esquece a promessa do poderoso, o estímulo do rico e o
incentivo do influente para doar-se à causa do pobre está salvo de
tornar-se oportunista. Quem despreza o sucesso por amar o que faz, está
salvo de deixar que a personagem tome o lugar da identidade pessoal.
Quem não se importa com a conquista, mas valoriza a integridade está
salvo do maquiavelismo de confundir meios e fins. Quem não cobiça o
brilho está salvo de tornar-se um demônio.
Quem são os salvos? Os santos que amam a discrição; os gênios que
evitam o espetáculo; os heróis que escolhem o anonimato; os profetas que
militam na contramão; os revolucionários que desprezam a glória. Todos
esses se salvam e escapam de perder a alma.
O salvo ensurdece para a sanção social e desdenha do aplauso
oportunista; perde sem internalizar as maldições alheias; sonha sem
almejar aclamação; brilha sem estupidificar-se e sofre sem degradar-se.
A vida renasce para quem não aceita que o dominante mereça o topo da
hierarquia. O santo não vive dos favores do arrogante; não rasteja
diante de quem tem o poder de intimidar. O salvo tem olhar altivo, sem
ser fátuo; seu porte, sobranceiro, não deprecia; sua verdade, resoluta,
não é intolerante; seu diálogo, contundente, é generoso.
Salvação extrapola as molduras da religião; significa constância,
distinção, amabilidade, afeição, cortesia, altruísmo, fragilidade,
solicitude, confiança, auto aceitação, imparcialidade, comedimento,
doçura, coexistência.
O fruto que se observa no salvo revela a profundidade não só da
virtude como um valor, como também da largueza de suas relações humanas.
Integridade e salvação podem ser diferentes na semântica, porém iguais
na convivência. Salvação é primeiro dom de Deus e depois, construção
humana.
Ricardo Gondim
Fonte: Ricardo Gondim
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